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BC3 - Base de Conhecimentos do 3º Juizado Especial de Maringá


m402 indefere tutela em plano de saúde para produto fora do rol da ANS

Modelo usualmente aplicado nos AGR1.07 e AGR2.01


Notas relacionadas

n003 tutela provisória


Instruções

Utilizar nos casos onde a parte autora pede medicamento ou procedimento e já confessa que ele não se encontra no rol da ANS (mas argumenta que o direito à saúde e o CDC lhe dão direito a esse procedimento); ou nos casos em que a parte alega outro fundamento mas você verificar que o rol da ANS não contém o medicamento ou procedimento.

Atenção: esses casos são sempre delicados. O modelo está aqui para ficar mais fácil, mas é importante sempre ter certeza de que não é o caso de deferir.

Repetitivo: não é sobre este assunto exatamente, mas pode ajudar: O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais


Classificação

Tipo: Decisão

Tipo de movimento: 785

Descrição: Defere IOP, indefere tutela e determina citação (…)


Alega a inicial, em síntese, que a parte demandante pediu à parte ré a liberação de aplicação de medicamento em paciente não internado, o qual foi negado por não se enquadrar nas Diretrizes de Utilização para Cobertura de Procedimentos na Saúde Suplementar.

Pediu, a título de tutela provisória de urgência, que a parte ré seja compelida a liberar imediatamente a aplicação do medicamento solicitado pela parte autora, sob pena de multa diária.

Passo a decidir.

Diante dos fatos narrados na inicial, não há dúvida da existência de relação de consumo entre as partes. Assim, aplicam-se as normas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, aplicando-se a inversão do ônus da prova ope legis, com as ressalvas adiante.

A inversão do ônus da prova não se aplica aos danos morais e materiais postulados, eis que compete a parte autora comprovar a existência (STJ, AREsp 1257129) e extensão (STJ, AREsp 931478) de tais danos, e o nexo causal entre esses danos e o fato imputado à parte ré (STJ, REsp 1715505). Igualmente continua sendo da parte autora o ônus de provar os fatos que só ela pode demonstrar (TJRJ, ApCiv 00136293020078190054), ou que tem mais facilidade de provar (STJ, REsp 720930), e os fatos constitutivos do seu direito (STJ, AgInt no REsp 1717781).

Se houver controvérsia sobre existência de crédito, o ônus será sempre do credor (TJRJ, Ap 0067953-37.2015.8.19.0038; Ap 0071413-51.2012.8.19.0001 e Ap 0071413-51.2012.8.19.0001).

Se houve alegação de pagamento e for impugnada, é ao pagador que compete, sempre, fazer prova do pagamento (TRF 1ª ApCiv 9601371311; TJSC ApCiv 2002.021952-0; TJBA ApCiv 17475-2/2004; TJRS ApCiv 70079505590).

Não cabe, pois, inversão do ônus da prova em tais pontos.

A distribuição poderá ser revista antes de concluída a instrução (STJ, REsp 881651).

Ademais, o teor das comunicações por aplicativos de mensagem, ou e-mail, assim como prints de telas de celular ou computador, fotografias digitalizadas e similares, é admitido como prova provisória, nos termos do art. 422 CPC, cabendo à parte autora provar sua autenticidade, e eventual emissão por preposto da parte ré, se houver impugnação.

Quanto ao pedido de tutela provisória de urgência, a Resolução da ANS invocada pela autora dispõe sobre procedimentos e eventos de saúde que constituem referência básica de cobertura obrigatória, nos termos do art. 4º, III, da Lei Federal nº 9.961/2001. Ou seja, só o que consta naquele rol é que a ré poderia ser obrigada a fornecer. E, o medicamento requerido pela parte demandante está excluído do rol de procedimentos da ANS, como afirma a própria inicial.

Ademais, segundo a prova provisória e incompleta de que disponho até aqui, não há nenhuma previsão que obrigue a ré a fornecer exames que não constem no rol de cobertura obrigatória da ANS.

Conheço bem a jurisprudência, por assim dizer, liberal, que afirma que o rol da ANS é meramente exemplificativo e, em termos singelos, parece partir da premissa de que o contrato de plano de saúde cria para a prestadora um dever de salvar a vida do consumidor, em qualquer hipótese e a qualquer custo. Tenho lido, contudo, os contratos e as normas específicas da matéria, e não encontrei ainda, quer naqueles quer nestas, uma regra que autorize tal entendimento.

Parece-me evidente, ademais, pelo prisma da análise econômica do direito, que uma jurisprudência que afirmasse isso, que a prestadora, ao assinar o contrato, torna-se garante da vida do paciente a qualquer custo e em qualquer hipótese, inviabilizaria, no longo prazo e na escala larga, o próprio mercado de assistência à saúde. Como seria possível, para as prestadoras, organizar um empreendimento sustentável, se o custo do negócio está em aberto porque terá de abranger tudo que o engenho humano inventar na tecnologia da saúde? Ademais, semelhante entendimento conduz ao encarecimento do serviço, pois é evidente - embora muitos prefiram não enxergar isso - que o custo do cumprimento das ordens judiciais é rateado entre todos os clientes da saúde privada.

De forma que uma jurisprudência que concede tudo o que o contrato prevê, e mais tudo que o contrato não previu, termina por tornar os planos de saúde impagáveis para todos ou quase todos que dele precisam. O resultado final dessa excessiva “benevolência” na concessão de atendimentos que o contrato não cobre acabará sendo um sistema de saúde complementar que só será acessível aos muito ricos, aos que dele não precisam porque podem pagar seus exames com recurso próprio. Conceder o que o contrato exclui é fazer liberalidade com o dinheiro dos usuários do plano: eles é que pagam, no fim das contas; não a ré.

Ainda, é importante afirmar que houve alteração do entendimento anterior do Superior Tribunal de Justiça no sentido alegado pela parte autora. É o mais recente entendimento:

“Planos e seguros de saúde. Recurso especial. Rol de procedimentos e eventos em saúde elaborado pela ans. Atribuição da autarquia, por expressa disposição legal e necessidade de harmonização dos interesses das partes da relação contratual. Caracterização como relação exemplificativa. Impossibilidade. Mudança do entendimento do colegiado (overruling). CDC. Aplicação, sempre visando harmonizar os interesses das partes da relação contratual. Equilíbrio econômico-financeiro e atuarial e segurança jurídica. Preservação. Necessidade. Recusa de cobertura de procedimento não abrangido no rol editado pela autarquia ou por disposição contratual. Oferecimento de procedimento adequado, constante da relação estabelecida pela agência. Exercício regular de direito. Reparação de danos morais. Inviabilidade.

1. A Lei n. 9.961/2000 criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, que tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde. O art. 4º, III e XXXVII, atribui competência à Agência para elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei n. 9.656/1998, além de suas excepcionalidades, zelando pela qualidade dos serviços prestados no âmbito da saúde suplementar.

2. Com efeito, por clara opção do legislador, é que se extrai do art. 10, § 4º, da Lei n. 9.656/1998 c/c o art. 4º, III, da Lei n. 9.961/2000, a atribuição dessa Autarquia de elaborar a lista de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de Saúde. Em vista dessa incumbência legal, o art. 2º da Resolução Normativa n. 439/2018 da ANS, que atualmente regulamenta o processo de elaboração do rol, em harmonia com o determinado pelo caput do art. 10 da Lei n. 9.656/1998, esclarece que o rol garante a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a reabilitação de todas as enfermidades que compõem a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID da Organização Mundial da Saúde.

3. A elaboração do rol, em linha com o que se deduz do Direito Comparado, apresenta diretrizes técnicas relevantes, de inegável e peculiar complexidade, como: utilização dos princípios da Avaliação de Tecnologias em Saúde - ATS; observância aos preceitos da Saúde Baseada em Evidências - SBE; e resguardo da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor.

4. O rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para propiciar direito à saúde, com preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Por conseguinte, em revisitação ao exame detido e aprofundado do tema, conclui-se que é inviável o entendimento de que o rol é meramente exemplificativo e de que a cobertura mínima, paradoxalmente, não tem limitações definidas. Esse raciocínio tem o condão de encarecer e efetivamente padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito, restringindo a livre concorrência e negando vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano-referência de assistência à saúde (plano básico) e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas.

5. Quanto à invocação do diploma consumerista pela autora desde a exordial, é de se observar que as técnicas de interpretação do Código de Defesa do Consumidor devem reverência ao princípio da especialidade e ao disposto no art. 4º daquele diploma, que orienta, por imposição do próprio Código, que todas as suas disposições estejam voltadas teleologicamente e finalisticamente para a consecução da harmonia e do equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

6. O rol da ANS é solução concebida pelo legislador para harmonização da relação contratual, elaborado de acordo com aferição de segurança, efetividade e impacto econômico. A uníssona doutrina especializada alerta para a necessidade de não se inviabilizar a saúde suplementar. A disciplina contratual exige uma adequada divisão de ônus e benefícios dos sujeitos como parte de uma mesma comunidade de interesses, objetivos e padrões. Isso tem de ser observado tanto em relação à transferência e distribuição adequada dos riscos quanto à identificação de deveres específicos do fornecedor para assegurar a sustentabilidade, gerindo custos de forma racional e prudente. [...]”.

(REsp 1733013/PR, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, j. em 10/12/2019, DJe 20/2/2020)

Tudo isso é dito sem intenção de crítica à parte demandante e sem ignorar a tragicidade da sua situação. É muito triste que a doença se abata sobre uma vida preciosa, é muito digno e humano que a pessoa se apegue à vida e lute por ela com todos os meios e recursos, e é lamentável que não seja sempre possível dar saúde a quem precisa. Mas a solidariedade e a empatia com o sofrimento do próximo não converte necessidade em fonte de direito. Não se inventou ainda um sistema jurídico que consiga realizar, na prática, o ideal de uma sociedade onde todos são felizes e sadios. Não está no poder do legislador ou do julgador realizar isso ainda, a lei continua sendo um ponto intermediário tentando equilibrar o ideal e o possível. Remendos e desvios criativos, feitos com intenção de chegar ao paraíso por atalhos, acabam por desvirtuar o sistema jurídico e econômico piorando a vida da maioria.

Diante do exposto, indefiro a tutela provisória de urgência antecipada.

Continuidade do feito


tags: xxxmodelos

criação: prpc, em 22 de outubro de 2020.

alterações:


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