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BC3 - Base de Conhecimentos do 3º Juizado Especial de Maringá


m918 telefonia cobrança serviços não usados pede só dano moral

sumário

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Atenção, este é meio específico: aplica-se quando o autor diz que as faturas incluíam a cobrança de serviços de que o autor não usufruía, serviços não prestados (muita atenção, é diferente de serviços não contratados ou não solicitados; aqui, o autor não nega que contratou os serviços, alega que não os usa e foi cobrado sem usar).

Ademais, o modelo só serve se o autor, alegando isso, não pede indenização de dano material, nem repetição do valor pago, nem nada que tenha a ver com o prejuízo material sofrido. Pede somente indenização por dano moral, mais nada!

Disponível no projudi com o mesmo nome acima

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SENTENÇA

Ação fundada em alegação de cobrança de serviços não prestados e não utilizados. Alegação, ademais, de ineficiência de call center de operadora de telefonia, causando desvio do tempo produtivo do consumidor. Pedido de indenização só do dano moral. Ré que nega os fatos alegados pela parte autora. Autor que pede julgamento antecipado e não prova os fatos constitutivos do seu direito, para os quais não há hipossuficiência. Improcedência.

Relatório dispensado por lei. Anoto, apenas, por ser relevante, que se trata de ação onde a parte autora afirma ser cliente dos serviços de telefonia da ré, e diz ter sofrido cobrança de serviços que, embora contratados, só podiam ser cobrados quando do efetivo uso, que não ocorreu. Afirma que a ré cobrava pelos serviços sem que o consumidor os utilizasse. Afirma que fez inúmeras reclamações via call center, sem solução. No entanto, apesar de alegar que as cobranças foram ilícitas, porque não correspondiam a serviço efetivamente prestado, não pede a repetição, nem indenização dos danos materiais. Pede apenas indenização de dano moral, pelas cobranças indevidas e ineficiência do call center.

O pedido será julgado improcedente, como se verá adiante. Assim, nos termos do art. 282 § 2º do CPC, deixo de examinar eventuais preliminares ou prejudicial de mérito eventualmente alegada, pelo princípio da primazia da decisão de mérito.

I. Quanto ao mérito, e quanto ao suposto dano moral decorrente de cobranças ilícitas

Quanto ao mérito, suporemos, para argumentar, que sejam verdadeiras todas as alegações da parte autora acerca das cobranças indevidas. Não estou afirmando, nem concluindo, que tais alegações são verdadeiras. Parece, inclusive, que são discutíveis e dependeriam de provas, a cargo da parte autora, porque referentes a fatos constitutivos do seu alegado direito. Mas, para os fins da sentença, já que o único pedido em exame é o de reparação de supostos danos morais, não é necessário discutir o tema: é que, mesmo se forem verdadeiras as alegações da parte autora acerca da cobrança de serviços não prestados, o pedido não procede. Examinemos, pois, o caso, supondo, para argumentar, que são verazes aquelas teses.

Se houve cobrança de serviço contrato mas não prestado, como diz o autor, essa cobrança é ilícito contratual: representa quebra do contrato, infração ao contrato por parte do fornecedor. Este prometeu só cobrar certos serviços se fossem usados. Não foram, mas ele cobrou. Quebra de contrato, pois. Causa de dano patrimonial: o autor paga por serviço que não usou, paga o que não deve, sofre prejuízo econômico.

A parte autora, todavia, sintomaticamente, não pleiteia a reparação desse dano. Não pede a repetição das cobranças indevidas. Por que não? Porque esse dano, o que efetivamente aconteceu, é irrelevante para o autor. Não lhe faz caso porque o valor é ínfimo. A parte autora não precisa daquele dinheiro que perdeu, não é importante, não lhe faz falta. Por isso, não o reclama. O prejuízo, o ilícito, a cobrança indevida, são apenas um pretexto para tentar lucrar algum na loteria judicial: é um típico caso onde o consumidor, ao sofrer a lesão por parte do fornecedor, em vez de se enraivecer, comemora, porque tirou a sorte grande; ganhou a chance de faturar uns cinco ou dez mil reais a partir de um prejuízo de uns cem ou duzentos, que não lhe fazem falta, que nem postula. A falta da demanda pela reparação do dano material é sintoma claro de que o pleito não é feito de boa-fé. A parte autora não dá nenhuma relevância ao prejuízo que sofreu, o que significa que também não se importa com a infração ao contrato: esta, e aquele, só lhe interessam como oportunidade de lucro.

Dito isso, e frisado isso, conclui-se: não há dano moral a reparar. Se a tese da inicial fosse correta e provada, haveria mero descumprimento contratual, por parte da ré, mas este, ainda que sem justo motivo e ainda que tenha causado transtornos ao autor, é incômodo usual e inerente à ausência do caráter absoluto nas obrigações pessoais. Não cabe o arbitramento de indenização por danos morais para o simples descumprimento contratual. A jurisprudência do STJ é pacífica nesse sentido: “O mero descumprimento de cláusula contratual não gera indenização por dano moral” (STJ, AgRg no REsp nº 1136524/DF, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 22/3/11, DJe 31/3/11. No mesmo sentido: STJ, RCDESP no Ag nº 1241356/RS, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 9/11/10, DJe 17/11/10; REsp 803950/RJ, 3ª Turma, Min. Nancy Andrighi, j. 20/5/10, DJe 18/6/10; REsp 876527/RJ, 4ª Turma, Min. João Otávio de Noronha, j. 1/4/08, DJe 28/4/08). A não ser nos casos em que o dano venha a extrapolar “o simples descumprimento de cláusula contratual ou a esfera do mero aborrecimento, agravando a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito” (STJ,AgRg no Ag nº 884832/RJ, 3ª Turma, Min. Sidnei Beneti, j. 26/10/10, DJe 9/11/10; AgRg no Ag 913432/SP, 3ª Turma, Min. Sidnei Beneti, j. 28/9/10, DJe 14/10/10), não é cabível a indenização a título de danos morais. Mas aqui a parte autora, queixando-se do desrespeito da ré ao pactuado, não acusa nenhuma consequência fática concreta, específica e relevante, que tenha prejudicado significativamente algum direito da sua personalidade. Argumenta partindo da premissa incorreta de que a indenização seria devida só porque o fornecedor falhou. Não é assim.

Dano moral é conceito maltratado com frequência, mas a doutrina e a jurisprudência esclarecem que ele só existe quando há afetação importante de algum direito da personalidade. Por todos, veja-se a opinião de Yussef Cahali, autor de obra clássica sobre o assunto:

É o mesmo autor que explica que só há dano moral quando o fato “molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado” (idem, p.20), materializando-se quando na “dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral” (idem, p.21). A inicial não alega nada disso. A prova dos autos nem indicia nada disso.

Outros autores confirmam esse pensar:

Ruy Rosado de Aguiar, num voto famoso, lembra que estão incluídos no conceito do dano moral “a perda de um projeto de vida, a diminuição do âmbito das relações sociais, a limitação das potencialidades do indivíduo, a ‘perdre de jouissance de vie’” (perda da alegria, do prazer em viver) (STJ, REsp nº 65393). A inicial não alega, e a prova não demonstra nada disso.

Outros autores definem que o dano moral existe quando “os bens aviltados pelo fato (...) compõem as essências, potências e atos da humanidade do ser, ou seja, do homem” (Nery Junior, Nelson & Nery, Rosa Maria de A.. Manual de direito civil: obrigações. São Paulo: RT, 201, p.274).

Por fim, recordo alguns precedentes da jurisprudência:

Não consigo ver, na inicial, a descrição de algum fato que afete as “essências e potências humanas” da parte autora, que atinja os “bens que têm um valor precípuo na vida”, que a prive dos “sagrados afetos”, cause a “perda da alegria de viver", a “afetação do ânimo psíquico”, o “desequilíbrio duradouro do bem-estar”, o “traumatismo emocional”, para invocar alguns dos sintomas do dano moral lembrados pela melhor doutrina. Não vejo nem alegação nem prova de “sofrimento profundo e contundente”, de “fatos graves que atinjam bens jurídicos relevantes”, para lembrar alguns dos critérios da jurisprudência.

Também quanto à teoria, frequentemente alegada, de que fatos como o alegado na inicial geram dano moral por desvio do tempo produtivo do consumidor, anoto que não se aplica a tese ao caso em exame. Recentemente teve destaque no noticiário do TJPR o leading case em que a Corte acatou a teoria do desvio produtivo do tempo do consumidor. Diz a ementa:

Basta ler o voto condutor para ver que a aplicação da teoria não é singela como sugere a ementa, ou como imagina a parte autora. Dos fundamentos constam explicações sobre o tipo de situação concreta que justifica a imposição da sanção: lá “restou comprovado que os valores cobrados não eram devidos pelo autor”; o consumidor “demonstrou de forma inequívoca que despendeu de muito tempo e esforço, com diversas ligações e reclamações nos órgãos competentes, visando resolver de forma extrajudicial o problema causado pela empresa de telefonia, sem obter sucesso”, além de ocorrer “profunda perturbação de sua paz e descanso familiar, com as inúmeras ligações diárias, que inegavelmente constituem uma forma de cobrança agressiva”; e mais, no caso concreto provou-se que o consumidor “recebia mais de dez ligações por dia (…) tentou resolver o problema administrativamente por mais de 10 meses, sem obter sucesso” e “levou mais de um ano e três meses para findar as cobranças indevidas”. Ou seja, o precedente deixa claro os pressupostos que dão origem ao dano moral: cobrança comprovadamente indevida, reclamações comprovadamente justas, mais de dez ligações de cobrança por dia, cobranças agressivas ao longo de dez meses, dispêndio de “muito tempo e esforço” ao longo de mais de ano para tentar resolver amigavelmente a situação. Muito diferente do caso destes autos, onde a parte autora só alega, mas não prova, que sofreu cobrança indevida e ficou chateada.

Recordo ainda que é entendimento do STJ que os dissabores e aborrecimentos ocorridos diante da tentativa de solução do conflito não acarretam danos morais (STJ, REsp nº 704399; no mesmo sentido STJ, REsp nº 1683718). Invoco, ademais, o precedente das Turmas locais:

O que a parte autora quer, e a inicial deixa isso claro, é, na verdade, que a ré seja exemplarmente punida por fato ilícito não danoso. A condenação, que a parte autora postula, não teria caráter indenizatório, mas puramente punitivo. É uma invocação, embora implícita, da teoria dos punitive damages, da indenização balizada pelo valor do desestímulo. A tese tem seus defensores e detratores no país (sendo minoria os que o defendem, como anota Clayton Reis, Dano moral, 6ª ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, item 5.2.3), mas ainda não tem respaldo no nosso direito positivo: por enquanto o art. 944 do Código Civil diz que “a indenização mede-se pela extensão do dano”. De forma que o lesado não pode demandar do lesante nada além do que perdeu. Qualquer centavo a mais implicaria em enriquecimento sem causa. Quer dizer: “deve haver adequação entre o dano e o quantum indenizatório (...). Deve-se dar ao lesado exatamente aquilo que lhe é devido, sem acréscimo, sem reduções” (Maria Helena Diniz. Código Civil Anotado. 14ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2009, p.640-641). Mesmo os precedentes isolados que afirmam aplicar a teoria do valor de desestímulo respeitam o art. 944 e limitam o valor da indenização ao do dano, afirmando que a sanção deve servir “para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito” mas ao mesmo tempo “de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido” (STJ, REsp 210101).

Ademais, é certo que cobrança indevida, sem inscrição do consumidor em banco de dados de restrição ao crédito, não gera dano moral indenizável:

Isso está de acordo com o Enunciado N.º 12.10 das TRPR: Cobrança – dano moral – inocorrência: A simples cobrança de dívida inexistente, sem maiores reflexos, não acarreta dano moral.No mesmo sentido: 0000835-35.2018.8.16.0034. Rel. Marcel Luis Hoffmann. 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais. R.M. de Curitiba. Data de Julgamento: 04/09/2018. Data de Publicação: 05/09/2018; 0002073-29.2017.8.16.0130. Rel. Marcel Luis Hoffmann. 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais. Paranavaí. Data de Julgamento: 22/08/2018. Data de Publicação: 23/08/2018; 0001905-21.2017.8.16.0132. Rel. Marcos Antonio Frason. 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais. Peabiru. Data de Julgamento: 11/07/2018. Data de Publicação: 13/07/2018; 0033789-22.2017.8.16.0018. Rel. Leo Henrique Furtado Araújo. 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais. R.M. de Maringá. Data de Julgamento: 18/09/2018. Data de Publicação: 19/09/2018; 0010280-62.2017.8.16.0018. Rel. Fernando Swain Ganem. 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais. R.M. de Maringá. Data de Julgamento: 06/08/2018. Data de Publicação: 07/08/2018.

II. Quanto ao suposto dano moral por ineficiência do call center

Embora as razões acima sejam suficientes para sustentar o veredito, anoto também que a parte ré nega expressamente que o consumidor tenha feito as ligações para o call center. Todos os fatos em que a inicial ampara o pedido são controvertidos, portanto.

E a parte autora não se desincumbiu, entretanto, de fazer prova mínima dos fatos alegados. Pretende obter a almejada indenização com base em meras alegações e numa interpretação desejosa e equivocada do que significa a inversão do ônus da prova prevista no CDC. Como tantos, a parte litiga como se o simples fato de ser consumidor desse o direito de exigir indenizações sem dano, sem prova, sem direito. Mas a doutrina e a jurisprudência deixam claro que não é assim. Ainda que se trate de relação de consumo, a inversão do ônus da prova não isenta o consumidor do encargo de apresentar prova mínima quanto ao fato constitutivo do seu direito. Como esclarece Rizzato Nunes, a teoria do risco, que o CDC adota, implica em que, ocorrido o dano, cabe ao consumidor apenas demonstrar o nexo de causalidade entre ele (consumidor) e o dano, bem como o evento que ocasionou o dano, o produto ou o serviço que gerou o evento e, ainda, apontar na ação judicial o fornecedor que colocou o produto ou o serviço no mercado (O Código de Defesa do Consumidor e sua interpretação jurisprudencial, 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p.256). Se, e somente se, o consumidor provar esses itens (o evento danoso, o dano, o nexo causal), incumbirá ao fornecedor provar que a culpa foi do lesado, ou que houve fato fortuito. A responsabilização independe de culpa: a inversão do ônus da prova, e a teoria do risco, dispensam o lesado de provar a culpa do lesante. Só a culpa. O evento, a autoria do evento, o dano e o nexo continuam sendo fatos constitutivos do direito de quem se diz lesado, e a ele compete provar tais fatos.

Cabe invocar o ensinamento de Humberto Theodoro Júnior:

Além disso, um dos requisitos da inversão do ônus da prova no CDC, todos sabem, é a hipossuficiência. E obviamente não existe nenhuma hipossuficiência, ou dificuldade técnica, prática ou cultural, para uma pessoa comum provar que fez ligações telefônicas, que tentou fazê-las e não conseguiu, que ligou para um call center várias vezes e passou vários minutos ou horas na linha. São fatos comuns da vida, de entendimento acessível a qualquer um que seja capaz de usar um telefone. Qualquer pessoa capaz de manejar um telefone é também capaz de provar tais fatos. Não pertencem ao universo complexo da tecnologia que só o fornecedor entende e domina. São coisas que podem ser vistas e entendidas por qualquer um e, pois, podem ser filmadas, gravadas em áudio, testemunhadas por qualquer pessoa mentalmente sadia. Logo, não há hipossuficiência para demonstrá-los. E, por isso, não são abarcados pela inversão do ônus da prova, que transfere o ônus nas questões para as quais a prova é inatingível para o leigo, o pobre ou o inculto. Não é o caso dos fatos controversos neste feito. A parte autora tem um celular que filma, mas não filmou os fatos que alega. Tem um celular que grava áudio, porque todos, hoje em dia, gravam; mas não gravou nenhuma das conversas que diz que teve ou tentou ter. Tem parentes, amigos e conhecidos, pois não precisaria telefonar para ninguém se não os tivesse, mas não traz nenhum deles para testemunhar as dificuldades alegadas. Litiga como se o simples fato de ser consumidor desse o direito de exigir indenizações sem dano, sem prova, sem direito. Má compreensão da lei, da doutrina e da jurisprudência, é o que isso indica. Basta ver alguns excertos:

Em caso análogo, as colendas Turmas Recursais do Paraná assim decidiram:

Portanto, tendo a ré negado a própria existência das ligações para o call center, era ônus da parte autora provar que elas existiram. Não provou. Logo, sem prova da premissa que sustenta toda a pretensão, esta não prospera. Quanto a essa parte do pedido, não é apenas caso de não existir a consequência jurídica postulada; não existe prova do fato gerador, também.

III. Dispositivo

Ante o exposto, julgo improcedente o pedido inicial, e julgo extinto o processo com resolução do mérito, na forma do artigo 487 I CPC.

Sem condenação em custas processuais e honorários advocatícios (artigo 55 da Lei nº 9.099/95).

P., r. e i..


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criação: alms 24 de junho de 2019

atualizações: 31 de agosto de 2020 alms, dierli 16/12/2020

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