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BC3 - Base de Conhecimentos do 3º Juizado Especial de Maringá
ônus da prova do consumidor em caso de inversão do ônus da prova
A parte autora não se desincumbiu, entretanto, de fazer prova mínima dos fatos alegados. Pretende obter a almejada indenização com base em meras alegações e numa interpretação desejosa e equivocada do que significa a inversão do ônus da prova prevista no CDC. Como tantos, a parte autora litiga como se o simples fato de ser consumidor desse o direito de exigir indenizações sem dano, sem prova, sem direito. Mas a doutrina e a jurisprudência deixam claro que não é assim. Ainda que se trate de relação de consumo, a inversão do ônus da prova não isenta o consumidor do encargo de apresentar prova mínima quanto ao fato constitutivo do seu direito. Como esclarece Rizzato Nunes, a teoria do risco, que o CDC adota, implica em que, ocorrido o dano, cabe ao consumidor apenas demonstrar o nexo de causalidade entre ele (consumidor) e o dano, bem como o evento que ocasionou o dano, o produto ou o serviço que gerou o evento e, ainda, apontar na ação judicial o fornecedor que colocou o produto ou o serviço no mercado (O Código de Defesa do Consumidor e sua interpretação jurisprudencial, 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p.256). Se, e somente se, o consumidor provar esses itens (o evento danoso, o dano, o nexo causal), incumbirá ao fornecedor provar que a culpa foi do lesado, ou que houve fato fortuito. A responsabilização independe de culpa: a inversão do ônus da prova, e a teoria do risco, dispensam o lesado de provar a culpa do lesante. Só a culpa. O evento, a autoria do evento, o dano e o nexo continuam sendo fatos constitutivos do direito de quem se diz lesado, e a ele compete provar tais fatos.
Cabe invocar o ensinamento de Humberto Theodoro Junior:
“Para as demandas intentadas no âmbito das relações de consumo existe regra especial que autoriza, em certos casos, a inversão do ônus da prova, transferindo-o do autor(consumidor) para o réu (fornecedor) (art. 6º, VIII, do CDC). Não se pode, todavia, entender que o consumidor tenha sido totalmente liberado do encargo de provar o fato constitutivo do seu direito (...). Sem prova alguma, por exemplo, da ocorrência do fato constitutivo do direito do consumidor (autor), seria diabólico exigir do fornecedor (réu) a prova negativa do fato passado fora de sua área de conhecimento e controle. Estar-se-ia, na verdade, a impor prova impossível, a pretexto de inversão de onus probandi, o que se repugna à garantia do devido processo legal, com as características do contraditório e ampla defesa” (Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 54ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013).
Logo, a inversão do ônus da prova não se aplica quanto aos danos, sejam materiais ou morais: compete a parte autora comprovar a existência (STJ, AREsp 1257129) e extensão (STJ, AREsp 931478) de tais danos, e o nexo causal entre esses danos e o fato imputado à parte ré (STJ, REsp 1715505). Igualmente continua sendo da parte autora o ônus de provar os fatos que só ela pode demonstrar (TJRJ, ApCiv 00136293020078190054), ou que tem mais facilidade de provar (STJ, REsp 720930), e os fatos constitutivos do seu direito (STJ, AgInt no REsp 1717781). Se houve alegação de pagamento e for impugnada, é ao pagador que compete, sempre, fazer prova do pagamento (TRF 1ª ApCiv 9601371311; TJSC ApCiv 2002.021952-0; TJBA ApCiv 17475-2/2004; TJRS ApCiv 70079505590). Não cabe inversão do ônus da prova nesses temas.
Além disso, um dos requisitos da inversão do ônus da prova no CDC, todos sabem, é a hipossuficiência. E obviamente não existe nenhuma hipossuficiência, ou dificuldade técnica, prática ou cultural, para uma pessoa comum provar os fatos constitutivos alegados na inicial. São fatos comuns da vida, de entendimento acessível a qualquer um. Qualquer pessoa capaz de se autogerir é também capaz de provar tais fatos. Não pertencem ao universo complexo da tecnologia que só o fornecedor entende e domina. São coisas que podem ser vistas e entendidas por qualquer um e, pois, podem ser testemunhadas por qualquer pessoa do povo. Logo, não há hipossuficiência para demonstrá-los. E, por isso, não são abarcados pela inversão do ônus da prova, que transfere o ônus nas questões para as quais a prova é inatingível para o leigo, o pobre ou o inculto. Não é o caso dos fatos controversos neste feito. Em vez de produzir as provas acessíveis e factíveis, a parte autora apenas litiga como se o fato de ser consumidora lhe desse direito de exigir indenizações sem dano, sem prova e sem direito. Má compreensão da lei, da doutrina e da jurisprudência, é o que isso indica. Basta ver alguns excertos:
“Mesmo nas demandas subsumidas ao campo de incidência principiológico-normativo da legislação consumerista, em princípio, não se dispensa o consumidor do ônus da prova do fato constitutivo de seu alegado direito” (TJRJ, 25ª Câm., Ap. Cív. 0365745-60.2011.8.19.0001. j. 01/07/2015, publ. 03/07/2015, rel. Des. Werson Franco Pereira Rego).
“A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a inversão do ônus da prova não desobriga a parte autora de fazer comprovação mínima dos fatos constitutivos de seu direito. Logo, antes de ser imputado ao réu o ônus de produção da prova em sentido contrário, cabe ao autor provar minimamente seu direito” (AgInt no REsp 1717781/RO, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 05/06/2018, DJe 15/06/2018). No mesmo sentido: STJ, REsp nº 1378633.
“Responsabilidade civil. Código do Consumidor. Ônus da prova. Inexistência de provas dos fatos alegados na petição inicial. (...) Não comprovação dos alegados danos materiais e morais sofridos. Ao autor, incumbe a prova dos atos constitutivos de seu direito. Em que pese a indiscutível aplicação da inversão do ônus da prova ao CDC, tal instituto não possui aplicação absoluta” (STJ, REsp nº 741393).
“(...) a inversão do ônus da prova ocorrida no caso em apreço não implica, necessariamente, na procedência da ação, devendo a parte demonstrar minimamente os fatos constitutivos de seu direito” (STJ, REsp nº 1808081).
Em casos análogos as colendas Turmas Recursais do Paraná assim decidiram:
“(…) não obstante a aplicabilidade da legislação consumerista à hipótese, a inversão do ônus probatório exige que seja comprovada, por parte do consumidor, além de sua hipossuficiência, a verossimilhança de suas alegações (art. 6º, VIII, CDC), bem como demonstrado o fato constitutivo de seu direito (art. 373, I, CPC)” (TJPR - 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais - 0004051-48.2017.8.16.0160 - Sarandi - Rel. Desig. p/ o Acórdão: Fernanda de Quadros Jorgensen Geronasso - J. 25.10.2018).
“Ação de indenização por dano moral. Alegação de falha na prestação de serviço de telefonia móvel. (…) Aplicação do CDC. Conjunto probatório inábil a comprovar as alegações da parte autora quanto a falha na prestação dos serviços da operadora na relação contratual firmada entre as partes. Possibilidade de demonstração do alegado através de testemunhas, relatórios das chamadas da linha do reclamante, conta telefônica, detalhamento de consumo. Ônus probatório que incumbia à parte autora. Artigo 333, inciso I, CPC. (…) Ausência de prova mínima quanto à ineficiência de call center. Alegação, desprovida de lastro probatório que, por si só, não autoriza a aplicabilidade do enunciado 1.6 das TRR/PR. Sentença reformada. Danos morais afastados” (Processo 0005131-03.2013.8.16.0123. TJPR. 3ª Turma Recursal. Relator Juiz Rafael Luis Brasileiro Kanayama. Julgamento: 18/11/2016. Publicação: DJ 23/11/2016).
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alms 25 de junho de 2019
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