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BC3 - Base de Conhecimentos do 3º Juizado Especial de Maringá


dever de informação viagem passaporte

| Processo: | | 0023479-20.2018.8.16.0018 |

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SENTENÇA

Na questão do motivo para frustração da viagem, é evidente que a culpa é exclusiva do consumidor, a quem competia verificar a validade dos próprios documentos. Há, na tese da parte autora, uma injustificada confusão sobre o conceito e extensão do dever de informação do fornecedor. A este compete propiciar ao consumidor todas as informações necessárias e suficientes para embasar uma decisão inteligente e bem pensada. Não compete ao fornecedor, por outro lado, tomar decisões em lugar do cliente, ou, como quer o autor, pensar por ele. O fornecedor tem de fornecer o produto ou serviço, a qualidade, a segurança, mas não é obrigado a fornecer inteligência, prudência e bom senso. Esses são os componentes de um bom negócio que o consumidor deve prover, deve trazer de casa quando sai para comprar.

O dever de informação ao consumidor "representa instrumento de formação da sua decisão racional, serve para a afirmação da autonomia pessoal do indivíduo" (Bruno Miragem. Curso de direito do consumidor. São Paulo: RT, 2016, livro eletrônico, item 5.3.3), de forma que é satisfeito com a entrega da "informação necessária a tomada de decisões esclarecidas e racionais" (obra citada, item 2.2.1). Já a parte da razão e do esclarecimento, da tomada racional da decisão autônoma, é do consumidor e não pode ser delegada ao fornecedor. O fornecedor informa, o consumidor escolhe. Ao fornecedor cabe informar bem. Ao consumidor, cabe escolher bem. Um não tem que fazer o papel do outro. "O direito à informação visa a assegurar ao consumidor uma escolha consciente" (STJ, REsp 1144840), mas, desde que o fornecedor apresente a informação clara e completa, é do consumidor a função de escolher conscientemente, o fornecedor não pode e não tem como ajudá-lo nisso. Cabe fazer uma analogia um tanto simplória, para equiparar o fornecedor ao professor, que tem de ensinar bem e ensinar certo, mas não tem como obrigar o aluno a aprender, a prestar atenção, a estudar; e, mais importante, o professor não pode fazer a prova no lugar do aluno, assim como o fornecedor não pode decidir no lugar do consumidor, como também não pode obrigá-lo a prestar atenção nas informações que recebe.

As leis, do consumidor ou civis, são escritas para regular negócios entre pessoas civilmente capazes, isto é, pessoas capazes de cuidar de si mesmas. Não há norma que atribua ao fornecedor o dever de tratar o consumidor como criança. No caso em exame, o contrato explica claramente o óbvio: viagem internacional só com passaporte válido. Informação óbvia, até para quem nunca viajou, mas, de qualquer sorte, estava no contrato. Portanto, o dever de informação foi cumprido. O dever de se informar é que foi descumprido, mas esse era do consumidor. A se acolher a tese da parte autora, veja-se aonde ela levaria: o consumidor que desembarcasse na Finlândia em dezembro, de camiseta regata e shorts, poderia (se não morrer congelado antes) processar a agência de viagens por não fiscalizar a arrumação das malas, por não avisar que na Finlândia neva no inverno, e que o inverno, lá, é em dezembro. Pretender transferir para o fornecedor o dever de checar a validade do passaporte é o mesmo que atribuir-lhe o dever de conferir se a mala do cliente está bem feita.

De qualquer sorte, no tema, é firme a jurisprudência favorável à ré:

Tudo isso é dito para concluir que a pretendida reparação por dano moral não procede, porque seu pressuposto, a culpa do fornecedor pela frustração da viagem, não existe. Quanto ao único ilícito existente no caso, a recusa em reembolsar a parte devida do preço, trata-se de mera quebra de contrato, que não gera dano moral, como será dito.

Quanto, pois, a segunda parte do debate, tem razão a parte autora. Não vejo a alegada contradição entre a cláusula 4 e a 5 a 4 trata do reembolso a quem compra peço preço "normal", e a 5 trata da vedação de reembolso a quem compra no preço promocional. Se o pacote em questão fosse da categoria promocional, valeria a cláusula 5 e o autor não teria reembolso. Mas a ré nem alega, nem prova, que a compra foi por preço promocional. Logo, é compra por preço cheio. Vale a cláusula 4.

O autor vê uma contradição inexistente também entre a tabela da cláusula 4.1 e a da 4.2. É porque leu com olhos desejosos. A leitura imparcial mostra que não há contradição, a 4.2 não contradiz a 4.1, ela a explica e complementa. Leia-se a cláusula 4 inteira e está fácil de entender: a multa é de 30% (na hipótese dos autos, não comparecimento com reembolso), mas, como diz a 4.2, além da multa incide a taxa de serviço, que será retida, e é de 15%, de forma que a penalidade total é de 45%, como está na tabela 4.2. É só prestar atenção: a tabela 4.1 diz "multa 30%", a tabela 4.2, depois de explicar a retenção da taxa de serviço, diz "multa + taxa de serviço = 45%".

O autor tem, pois, direito à restituição de R$ 9.722,20, que equivale a 55% do preço pago.

A ré não restituiu o valor, e cometeu quebra do contrato, portanto. Mas não há dano moral indenizável. Há mero descumprimento contratual, por parte da ré, mas este, ainda que sem justo motivo e ainda que tenha causado transtornos ao autor, é incômodo usual e inerente à ausência do caráter absoluto nas obrigações pessoais. Não cabe o arbitramento de indenização por danos morais para o simples descumprimento contratual. A jurisprudência do STJ é pacífica nesse sentido: “O mero descumprimento de cláusula contratual não gera indenização por dano moral” (STJ, AgRg no REsp nº 1136524/DF, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 22/3/11, DJe 31/3/11. No mesmo sentido: STJ, RCDESP no Ag nº 1241356/RS, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 9/11/10, DJe 17/11/10; REsp 803950/RJ, 3ª Turma, Min. Nancy Andrighi, j. 20/5/10, DJe 18/6/10; REsp 876527/RJ, 4ª Turma, Min. João Otávio de Noronha, j. 1/4/08, DJe 28/4/08). A título de exemplo dessa posição pacífica, cita-se:

De forma que, a não ser nos casos em que o dano venha a extrapolar “o simples descumprimento de cláusula contratual ou a esfera do mero aborrecimento, agravando a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito” (STJ, AgRg no Ag nº 884832/RJ, 3ª Turma, Min. Sidnei Beneti, j. 26/10/10, DJe 9/11/10; AgRg no Ag 913432/SP, 3ª Turma, Min. Sidnei Beneti, j. 28/9/10, DJe 14/10/10), não é cabível a indenização a título de danos morais.

Recordo ainda que é entendimento do STJ que os dissabores e aborrecimentos ocorridos diante da tentativa de solução do conflito não acarretam danos morais (STJ, REsp nº 704399; no mesmo sentido STJ, REsp nº 1683718). E, para concluir, invoco ainda uma vez o precedente das Turmas locais:

O que a parte autora quer, e a inicial deixa isso claro, é, na verdade, que a ré seja exemplarmente punida por fato ilícito não danoso. A condenação, que a parte autora postula, não teria caráter indenizatório, mas puramente punitivo. É uma invocação, embora implícita, da teoria dos punitive damages, da indenização balizada pelo valor do desestímulo. A tese é minoritária na doutrina brasileira, como anota Clayton Reis (Dano moral, 6ª ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, item 5.2.3), e não tem respaldo no nosso direito positivo: por enquanto o art. 944 do Código Civil diz que “a indenização mede-se pela extensão do dano”. De forma que o lesado não pode demandar do lesante nada além do que perdeu. Qualquer centavo a mais implicaria em enriquecimento sem causa. Quer dizer: “deve haver adequação entre o dano e o quantum indenizatório [...]. Deve-se dar ao lesado exatamente aquilo que lhe é devido, sem acréscimo, sem reduções” (Maria Helena Diniz. Código Civil Anotado. 14ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2009, p.640-641). Mesmo os precedentes isolados que afirmam aplicar a teoria do valor de desestímulo respeitam o art. 944 e limitam o valor da indenização ao do dano, afirmando que a sanção deve servir “para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito” mas ao mesmo tempo “de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido” (STJ, REsp 210101). Por isso decidiu o STJ, em regime de recurso repetitivo, ao analisar pedido de aplicação de danos morais com caráter meramente punitivo: “Responsabilidade civil por dano ambiental. Recurso especial representativo de controvérsia. Art. 543-C do CPC. Danos decorrentes de vazamento de amônia no rio Sergipe. Acidente ambiental ocorrido em outubro de 2008. 1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: [...] c) é inadequado pretender conferir à reparação civil dos danos ambientais caráter punitivo imediato, pois a punição é função que incumbe ao direito penal e administrativo” (REsp 1354536/SE, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, j. em 26/3/2014, DJe 5/5/2014, sem grifos no original). E note-se que a decisão se deu em matéria de direito ambiental, onde as regras de sanção ao infrator são bem mais pesadas que as do direito civil ou do consumidor.

Ante o exposto, julgo procedente em parte o pedido inicial, e julgo extinto o processo com resolução do mérito, na forma do artigo 487 I CPC, para condenar a parte ré a pagar à parte autora o valor de R$ 9.722,20, para reparação do dano material.

Sobre o valor da condenação, quanto ao dano material, incidem: (a) correção monetária pela média aritmética simples entre INPC/IBGE e IGP-DI/FGV (Decreto 1544/95), contada a partir da data do pagamento que o autor fez à ré, data do efetivo prejuízo (STJ súm. 43); e (b) juros de mora de 1% ao mês, contados a partir da citação (CPC art. 240 e CCB art. 405).

Sem condenação em custas processuais e honorários advocatícios (artigo 55 da Lei nº 9.099/95).

Em Maringá, 29 de junho de 2019.

Alberto Marques dos Santos

Juiz de Direito Supervisor

assinatura digital (art. 1º III b da Lei 11419)

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alms 29 de junho de 2019


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