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BC3 - Base de Conhecimentos do 3º Juizado Especial de Maringá


dano moral porque perderam a CNH no bar

| Processo: | | 0015326-95.2018.8.16.0018 |

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| Classe Processual: | | Procedimento do Juizado Especial Cível |

| Assunto Principal: | | Indenização por Dano Moral |

| Valor da Causa: | | R$10.000,00 |

| Polo Ativo(s): | | - CARLA KAROLINE AMADOR DE ARAUJO |

| Polo Passivo(s): | | - .B. Comércio de Bebidas Eireli – ME |

SENTENÇA

Relatório dispensado, nos termos do artigo 38 da Lei nº 9.099/95. O pedido será julgado improcedente, como se verá adiante. Assim, nos termos do art. 282 § 2º do CPC, deixo de examinar eventuais preliminares ou prejudicial de mérito eventualmente alegada, pelo princípio da primazia da decisão de mérito.

Começo por ressaltar que a petição inicial, embora encete uma tese de que a exigência de documentos pessoais do cliente constitui, por si só, uma prática abusiva, não alega que tenha decorrido para ela, autora, nenhuma consequência danosa disso; ou, de outra parte, não esclarece que tipo de vantagem exagerada resultaria para o fornecedor. Ao contrário, da leitura da inicial o que se percebe é que a autora estava perfeitamente contente e satisfeita em fornecer o seu documento pessoal como garantia do pagamento da conta, até o instante em que, ao retirar-se do bar, o documento não foi encontrado. O próprio relato da autora deixa claro que, a não ser na ocasião de achar motivos para tentar obter uma indenização em juízo, ela não havia sentido qualquer incômodo, desagrado ou maltrato a algum atributo da sua personalidade, pelo fato de ter de fornecer seu documento pessoal como garantia de uma dívida. Parece um típico caso de sofrimento retroativo e conveniente: alguém avisou a ela que era vantajoso sofrer, ou dizer que sofreu, por um fato que, para ela e até ali, era neutro e irrelevante.

De outro lado, não vejo como reconhecer abusividade na prática, porque ela não é danosa. É pressuposto da abusividade de uma prática que ela crie, para o abusador, algum lucro injusto, e para o abusado, alguma espécie de prejuízo. Como nem a autora consegue pensar em algum prejuízo que decorresse para ela do simples fato de seu documento ficar retido no caixa do estabelecimento comercial, concluo que a prática não tem nada de abusivo.

Abusiva seria prática do comerciante se, ao final da relação comercial, negando-se o cliente pagar a conta, o primeiro se recusasse a restituir o documento. Essa, sim, seria uma conduta causadora de prejuízo para o consumidor. A simples retenção temporária do documento no caixa, durante o consumo, ainda que consistisse numa ameaça velada, insinuada, de retê-la em caso de não pagamento da dívida, é prática inócua, não geradora de qualquer dano, até o momento em que o consumidor reclama de volta o documento, e não o recebe. Com a própria a autora não alega que isso aconteceu, não alega que o documento foi retido por causa de dívida, quer me parecer que nem para ela, até o momento de ajuizar, a prática constituía algum abuso.

Assim, resta apreciar se resulta direito à indenização do extravio temporário do documento por parte do comerciante. Todavia, a autora não alega, e muito menos demonstra, qualquer pelo prejuízo de ordem material decorrente do fato.

Diz apenas que sofreu dano moral, mas não indica nenhuma consequência do fato que possa ser apreciada, comparada com o padrão do homem médio, para averiguar se haveria ali possibilidade de prejuízo para algum atributo essencial da personalidade humana. A autora argumenta como se dano moral fosse uma espécie de multa que se aplica a qualquer pessoa ou, mais especificamente, a qualquer fornecedor que comete alguma falha. Ou, mais exatamente, uma espécie de prêmio que se dá a todo consumidor que tiver a sorte de se deparar com uma falha do seu fornecedor, ainda que a falha seja, para o consumidor, indiferente, a não ser como bilhete premiado na loteria judicial.

Não é assim, pelo menos na lei brasileira. O art. 944 do Código Civil o garante. Não há indenização para quem não sofre dano, indenização não é prêmio. O dano moral, como a expressão anuncia, é uma espécie de dano. Quem disse que o sofreu tem que, no mínimo, descrever quais foram os percalços, inconvenientes, dissabores e sofrimentos que para ele decorreram do fato danoso. Não existe no sistema da lei brasileira a suposta ligação direta que a autora imagina haver entre fato ilícito e indenização. A indenização pressupõe três requisitos, que são o fato danoso, o dano dele decorrente, o nexo causal entre ambos. O ônus da prova desses três requisitos compete sempre ao lesado, ainda que seja consumidor. A inversão do ônus da prova, prevista no Código do Consumidor para as relações de consumo, livra o consumidor do encargo de provar a culpa do fornecedor, caso ele, consumidor, consiga demonstrar que sofreu um dano causado pelo produto ou serviço.

No caso em exame o problema está em que a autora nem alega qualquer dano que tenha sofrido. Alegar o dano seria alegar um fato concreto, ainda que fosse um fato íntimo, da subjetividade humana, o fato da alma, que pudesse ser apreciado pelo juiz, comparado com o padrão ideal de ser humano, para concluir, num juízo de valor, se ali havia uma afetação prejudicial importante de algum dos direitos da personalidade. A dispensa de provar o dano moral, que ocorre em alguns casos, existe porque não é possível provar sofrimento; mas não não implica ou inclui a dispensa de dizer quais são a consequências concretas, visíveis, testemunháveis, das quais decorre o sofrimento. Dano in re ipsa, ao contrário do que muitos pensam, só se reconhece nas “situações onde há consenso sobre o sofrimento” (STJ, REsp 1564955), e esse não é o caso aqui.

Além do mais, a autora nem sequer afirma que precisou guiar carro para qualquer atividade relevante ou útil naquele período; não diz que teve esse direito prejudicado por falta do documento; parece que ela supõe que toda e qualquer por falta cometida pelo fornecedor numa relação de consumo gera automaticamente um prêmio em favor do consumidor, ainda que a falha não tem resultado para ele nenhum prejuízo material ou espiritual. Ela pensa, enfim, que indenização é multa. Não é.

Em suma, a parte autora, que pediu o julgamento antecipado e disse não ter provas a apresentar (seq.35.1) não se desincumbiu, entretanto, de fazer prova mínima dos fatos alegados. Pretende obter a almejada indenização com base em meras alegações e numa interpretação desejosa e equivocada do que significa a inversão do ônus da prova prevista no CDC. Como tantos, a parte argumenta partindo da premissa incorreta de que a indenização seria devida só porque o fornecedor falhou. Mas a doutrina e a jurisprudência deixam claro que não é assim. Ainda que se trate de relação de consumo, a inversão do ônus da prova não isenta o consumidor do encargo de apresentar prova mínima quanto ao fato constitutivo do seu direito. Como esclarece Rizzato Nunes, a teoria do risco, que o CDC adota, implica em que, ocorrido o dano, cabe ao consumidor apenas demonstrar o nexo de causalidade entre ele (consumidor) e o dano, bem como o evento que ocasionou o dano, o produto ou o serviço que gerou o evento e, ainda, apontar na ação judicial o fornecedor que colocou o produto ou o serviço no mercado (O Código de Defesa do Consumidor e sua interpretação jurisprudencial, 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p.256). Se, e somente se, o consumidor provar esses itens (o evento danoso, o dano, o nexo causal), incumbirá ao fornecedor provar que a culpa foi do lesado, ou que houve fato fortuito. A responsabilização independe de culpa: a inversão do ônus da prova, e a teoria do risco, dispensam o lesado de provar a culpa do lesante. Só a culpa. O evento, a autoria do evento, o dano e o nexo continuam sendo fatos constitutivos do direito de quem se diz lesado, e a ele compete provar tais fatos.


xxxacervo

alms 29 de junho de 2019


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