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BC3 - Base de Conhecimentos do 3º Juizado Especial de Maringá


cancelamento plano saúde sem notificação não gera dano moral in re ipsa

| Processo: | | 0003237-40.2018.8.16.0018 |

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| Classe Processual: | | Cumprimento de sentença |

| Assunto Principal: | | Práticas Abusivas |

| Valor da Causa: | | R$10.000,00 |

| Exequente(s): | | - FILIPE MAXIMILIANO DA SILVA |

| Executado(s): | | - G2C ADM. DE BENEFICIOS LTDA ME
- Unimed do Estado de São Paulo - Federação Estadual das Cooperativas Médicas |

SENTENÇA

Cancelamento de plano de saúde, por inadimplemento, sem prévia notificação, é ato ilícito. Mas não gera direito dano moral, se o consumidor não alega nem prova consequência danosa concreta e importante a algum direito da sua personalidade.

É certo que houve o cancelamento do contrato de plano de saúde. Irrelevante discutir se a parte autora estava ou não inadimplente, ou se houve erro no processamento do pagamento, ou de quem seria a culpa por tal erro: o que interessa é que nenhuma das rés contesta a afirmação fundamental da inicial, que é a de não ter havido a notificação prévia ao cancelamento. Ora, que a notificação é condição da validade da rescisão é matéria pacífica. Ademais, a própria ré confessa, na seq.23 pág. 4, que a cláusula 13 do contrato prevê a necessidade de notificação prévia para resolução do contrato em caso de inadimplência (assim como a cláusula 75).

Portanto, o cancelamento (confessado) com omissão (confessada) da prévia notificação ao consumidor é ilícito.

Todavia, a parte autora, queixando-se dos atos do fornecedor, não acusa nenhuma consequência fática concreta, específica e relevante, que tenha prejudicado significativamente algum direito da sua personalidade. Aqui, como na questão do ônus da prova, a parte argumenta partindo da premissa incorreta de que a indenização seria devida só porque o fornecedor falhou. Não é assim. Dano moral é outro conceito maltratado com frequência, mas a doutrina e a jurisprudência esclarecem que ele só existe quando há afetação importante de algum direito da personalidade. Por todos, veja-se a opinião de Yussef Cahali, autor de obra clássica sobre o assunto:

“Assim caracterizar o dano moral pelos seus próprios elementos; portanto, como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo da vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos; classificando-se, desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.); dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)” (Yussef Said Cahali. Dano moral. 4ª ed.. São Paulo: RT, 2011, pág.20).

É o mesmo autor que explica que só há dano moral quando o fato “molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado” (idem, p.20), materializando-se quando na “dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral” (idem, p.21). A inicial não alega nada disso. A prova dos autos nem indicia nada disso.

Outros autores confirmam esse pensar:

“O dano moral, como defendido pela doutrina e jurisprudência pátria, deve resultar da dor, vexame, sofrimento e humilhação que foge da normalidade, interferindo intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe desequilíbrio duradouro em seu bem-estar” (Carlos Roberto Gonçalves. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva. p. 549-50).

Ruy Rosado de Aguiar, num voto famoso, lembra que estão incluídos no conceito do dano moral “a perda de um projeto de vida, a diminuição do âmbito das relações sociais, a limitação das potencialidades do indivíduo, a ‘perdre de jouissance de vie’” (perda da alegria, do prazer em viver) (STJ, REsp nº 65393). A inicial não alega, e a prova não demonstra nada disso.

Outros autores definem que o dano moral existe quando “os bens aviltados pelo fato (...) compõem as essências, potências e atos da humanidade do ser, ou seja, do homem” (Nery Junior, Nelson & Nery, Rosa Maria de A.. Manual de direito civil: obrigações. São Paulo: RT, 201, p.274).

Por fim, recordo alguns precedentes da jurisprudência:

“Nem todo aborrecimento, insegurança ou desgaste emocional é indenizável a título de danos morais, sendo necessário que o sofrimento experimentado pela vítima seja profundo e contundente” (TAMG, Embargos Declaratórios 0241244-2/01241244-2, Publ. DJ 29.08.98, fonte: Informa Jurídico).

“O mero transtorno, incômodo ou aborrecimento não se revelam suficientes à configuração do dano moral, devendo ser ressaltado que o direito deve reservar-se à tutela de fatos graves, que atinjam bens jurídicos relevantes, sob pena de se levar à banalização do instituto com a constante reparação de diminutos desentendimentos do cotidiano” (STJ, REsp nº 1345504, sem grifos no original).

“(...) entendimento desta Corte no sentido de que, quando a situação experimentada não tem o condão de expor a parte a dor, vexame, sofrimento ou constrangimento perante terceiros, não há falar em dano moral, uma vez que se trata de circunstância a ensejar mero aborrecimento ou dissabor, mormente quando mero descumprimento contratual que embora tenha acarretado aborrecimentos não gerou maiores danos ao recorrente” (STJ - REsp: 1683718 RO 2017/0172400-8, Relator: LÁZARO GUIMARÃES (desembargador convocado do TRF 5ª região), Data de Publicação: DJ 04/12/2017).

Não consigo ver, na inicial, a descrição de algum fato que afete as “essências e potências humanas” da parte autora, que atinja os “bens que têm um valor precípuo na vida”, que a prive dos “sagrados afetos”, cause a “perda da alegria de viver “, a “afetação do ânimo psíquico”, o “desequilíbrio duradouro do bem-estar”, o “traumatismo emocional”, para invocar alguns dos sintomas do dano moral lembrados pela melhor doutrina. Não vejo nem alegação nem prova de “sofrimento profundo e contundente”, de “fatos graves que atinjam bens jurídicos relevantes”, para lembrar alguns dos critérios da jurisprudência.

A parte autora trata o caso como se fosse situação de dano in re ipsa. Mas dano in re ipsa só se reconhece nas “situações onde há consenso sobre o sofrimento” (STJ, REsp 1564955). Ou naquelas em que “demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana” (REsp 1292141). O autor não alega nem prova nenhuma situação desse tipo.

Diz apenas que foi surpreendido, quando estava prestar a passar por consulta médica. Não explica se estava doente ou se era um checkup de rotina. Se estivesse doente, não explica qual a doença, que sintomas ou sofrimentos teve de continuar enfrentando por falta do atendimento. Enfim, a inicial é inepta na questão do suposto dano moral, porque não alega nenhum dano concreto.

A jurisprudência confirma que não há dano in re ipsa em casos assim:

AÇÃO COMINATÓRIA. PLANO DE SAÚDE. Cancelamento do plano de saúde ante a inadimplência superior a 60 dias. Mensalidades pagas com atraso, com recebimento pela operadora. Plano de saúde que continuou emitindo boletos (através do sistema eletrônico) e recebendo os pagamentos. Conduta incompatível com a rescisão. Não comprovada notificação prévia. Súmula 94 deste E. TJSP. Precedentes. DANOS MORAIS. Inocorrência. Mero aborrecimento, insuscetível de provocar sofrimento suficiente a justificar condenação. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (...) o entendimento desta C. Câmara que tem reiteradamente entendido que a negativa de atendimento ante o cancelamento do contrato, por si só, não gera dano moral, porquanto a parte tem o direito de defender, na interpretação da respectiva cláusula contratual, a tese mais adequada ao seu interesse. Nesse sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “não se pode negar à parte o direito de pleitear uma interpretação que lhe parece mais correta e favorável à sua causa” (4ª Turma, REsp 92.412/RS, rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, j. 25.8.97). Observa-se que na hipótese dos autos, sequer restou comprovado pelo autor, como era seu ônus, que houve negativa de cobertura ocasionando dissabores. De toda forma, a necessidade em si de se socorrer do Judiciário para resolver o impasse contratual não gera dano moral. Eventuais constrangimentos e ansiedades experimentados pelo requerente, não caracterizaram dor moral grave que justifique uma condenação pecuniária com caráter indenizatório. Em consonância com este entendimento estão os ensinamentos do ilustre doutrinador, SÉRGIO CAVALIERI FILHO, em “Programa de Responsabilidade Civil” (ed. Malheiros, 2.004, pág. 98): “só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimentos, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos”. Assim, a condenação por danos morais fixados em virtude do cancelamento do contrato de assistência médica deve ser afastada. (TJSP - AC: 10163467620188260002 SP 1016346-76.2018.8.26.0002, Relator: Ana Maria Baldy, Data de Julgamento: 21/03/2019, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/03/2019)

O que houve, pois, foi mera quebra de contrato. Há mero descumprimento contratual, por parte da ré, mas este, ainda que sem justo motivo e ainda que tenha causado transtornos ao autor, é incômodo usual e inerente à ausência do caráter absoluto nas obrigações pessoais. Não cabe o arbitramento de indenização por danos morais para o simples descumprimento contratual. A jurisprudência do STJ é pacífica nesse sentido: “O mero descumprimento de cláusula contratual não gera indenização por dano moral” (STJ, AgRg no REsp nº 1136524/DF, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 22/3/11, DJe 31/3/11. No mesmo sentido: STJ, RCDESP no Ag nº 1241356/RS, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 9/11/10, DJe 17/11/10; REsp 803950/RJ, 3ª Turma, Min. Nancy Andrighi, j. 20/5/10, DJe 18/6/10; REsp 876527/RJ, 4ª Turma, Min. João Otávio de Noronha, j. 1/4/08, DJe 28/4/08). A título de exemplo dessa posição pacífica, cita-se:

“Como se vê, o mero dissabor ocasionado pelo parcial inadimplemento contratual, (…) não configura, em regra, ato lesivo a ensejar a reparação por danos morais. Corrobora tal assertiva a pacífica jurisprudência deste Tribunal, conforme exemplificam os precedentes a seguir citados: REsp 712469/PR, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 6/3/06, REsp 762426/AM, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 24/10/05; REsp 661421/CE, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 26/9/2005; REsp 338162/MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 18/2/2002. Deste último julgado mencionado, cabe reproduzir a parte da ementa que releva à hipótese sob julgamento: Como anotado em precedente, (REsp 202504/SP, DJ 1/10/2001), “o inadimplemento do contrato, por si só, pode acarretar danos materiais e indenização por perdas e danos, mas, em regra, não dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade. Embora a inobservância de cláusulas contratuais possa trazer desconforto ao outro contratante – e normalmente o traz – trata-se, em princípio, do desconforto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em sociedade” (RESP 723729/RJ Rel. Ministra Nancy Andrighi, j. em 25/9/2006).

De forma que, a não ser nos casos em que o dano venha a extrapolar “o simples descumprimento de cláusula contratual ou a esfera do mero aborrecimento, agravando a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito” (STJ, AgRg no Ag nº 884832/RJ, 3ª Turma, Min. Sidnei Beneti, j. 26/10/10, DJe 9/11/10; AgRg no Ag 913432/SP, 3ª Turma, Min. Sidnei Beneti, j. 28/9/10, DJe 14/10/10), não é cabível a indenização a título de danos morais.

O que a parte autora quer, e a inicial deixa isso claro, é, na verdade, que a ré seja exemplarmente punida por fato ilícito não danoso. A condenação, que a parte autora postula, não teria caráter indenizatório, mas puramente punitivo. É uma invocação, embora implícita, da teoria dos punitive damages, da indenização balizada pelo valor do desestímulo. A tese é minoritária na doutrina brasileira, como anota Clayton Reis (Dano moral, 6ª ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, item 5.2.3), e não tem respaldo no nosso direito positivo: por enquanto o art. 944 do Código Civil diz que “a indenização mede-se pela extensão do dano”. De forma que o lesado não pode demandar do lesante nada além do que perdeu. Qualquer centavo a mais implicaria em enriquecimento sem causa. Quer dizer: “deve haver adequação entre o dano e o quantum indenizatório [...]. Deve-se dar ao lesado exatamente aquilo que lhe é devido, sem acréscimo, sem reduções” (Maria Helena Diniz. Código Civil Anotado. 14ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2009, p.640-641). Mesmo os precedentes isolados que afirmam aplicar a teoria do valor de desestímulo respeitam o art. 944 e limitam o valor da indenização ao do dano, afirmando que a sanção deve servir “para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito” mas ao mesmo tempo “de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido” (STJ, REsp 210101). Por isso decidiu o STJ, em regime de recurso repetitivo, ao analisar pedido de aplicação de danos morais com caráter meramente punitivo: “Responsabilidade civil por dano ambiental. Recurso especial representativo de controvérsia. Art. 543-C do CPC. Danos decorrentes de vazamento de amônia no rio Sergipe. Acidente ambiental ocorrido em outubro de 2008. 1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: [...] c) é inadequado pretender conferir à reparação civil dos danos ambientais caráter punitivo imediato, pois a punição é função que incumbe ao direito penal e administrativo” (REsp 1354536/SE, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, j. em 26/3/2014, DJe 5/5/2014, sem grifos no original). E note-se que a decisão se deu em matéria de direito ambiental, onde as regras de sanção ao infrator são bem mais pesadas que as do direito civil ou do consumidor.

Isso posto, julgo improcedente o pedido inicial e julgo extinto o processo com resolução do mérito, na forma do artigo 487 I CPC.

Em Maringá, 26 de julho de 2019.

Alberto Marques dos Santos

Juiz de Direito Supervisor

assinatura digital (art. 1º III b da Lei 11419)


alms 26 de julho de 2019


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